quinta-feira, 18 de abril de 2013

Estranho vírus



Certa vez espalhou-se, na cidade de Pinheiros, um estranho vírus cujo principal sintoma (e único constatado) era que as pessoas (os supostos infectados) andavam sempre tristes, atentas, com certo ar de expectativa no semblante, como se esperassem algo acontecer. Não se sabia quais os malefícios desta doença, mas chegou-se á conclusão de que era extremamente contagiosa, uma vez que o número de contaminados aumentava, em grande velocidade, mais e mais.
A Secretaria de Saúde do município reuniu uma junta com os melhores médicos de Pinheiros a fim de encontrar uma cura para o tal vírus, que acabou ficando popularmente conhecido como “Esperando acontecer”. Os doutores pesquisaram muito, dedicaram-se única e exclusivamente á essa causa, examinando e fazendo testes, inclusive, nos afetados pela doença. Nada descobriram. Chateados com o fracasso, aqueles em quem toda a cidade havia depositado a confiança (e esperanças), simplesmente cruzaram os braços e mais nada fizeram. Pronto: Parecia que também haviam sido infectados.
Por um incrível e inexplicável milagre da natureza, aquele vírus sofreu uma mutação, tornando-se o “Fazendo acontecer”.
As coisas melhoraram, e muito, para os pinheirenses, desde então.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O duelo


Quando as leis já não eram mais suficientes (e quem poderia alterá-las, por conveniência, nada fazia), a Justiça, que não tinha mais a serpente aprisionada sob seus pés, decidiu agir por conta própria e chamou a Impunidade, que se prevalecia em meio à sociedade, para um duelo de vida ou morte. Em jogo, o futuro de toda uma nação.
A desafiante e a desafiada encontraram-se no lugar previamente combinado. A Justiça, com os olhos vendados e sua espada reluzente, largou a balança, que sempre carregava, para melhor duelar. Jamais admitiria, mas não acreditava mais naquele equilíbrio. As Leis todas tinham sido pisoteadas pela Impunidade, que agora provocava, irritantemente, a Justiça.
-O fato de a Impunidade imperar – falava de si em terceira pessoa – É um indício claro de que a Justiça é falha.
-A Justiça não é falha – defendeu-se a cega dama – Mas fracassará se não tiver o apoio de Leis rígidas e eficazes. Sozinha, a Justiça não poderá vencer nenhuma batalha - E dizendo isto, esperava que novas Leis se erguessem para auxiliá-la.
-Cale-se, sua tola! – Atalhou a Impunidade - Discursos ingênuos não são armas para uma guerra!
-A arrogância de uma força em ascensão também não.
-A Impunidade tem caminhado com o homem, lado a lado, desde o princípio dos tempos, para mostrar que a Lei nada mais é do que um ideal. Uma utopia. Não fala aqui a voz da arrogância, mas sim a da razão. A da certeza. A Justiça foi gerada, precocemente, para encarar uma batalha perdida, pois o homem, que a representa e dá luz às suas Leis, é corruptível e imoral.
-A Justiça, assim como suas Leis, está aqui para provar que existe um equilíbrio na balança – insegura, a Justiça encarou o referido instrumento caído á uma considerável distância – E que para os infratores, existe punição! – E empunhou ameaçadoramente a sua espada.
A Impunidade lançou-se, repentinamente, de mãos nuas, sobre a desafiante. A espada da Justiça trespassou, num único movimento, o peito da Impunidade, que gargalhou loucamente e, com a espada ainda cravada no tórax, esbofeteou seguidamente o rosto de sua rival, chutando-a, assim que esta caiu, e cuspindo em sua face. Impunidade retirou, sem expressão de dor, a espada que a importunava e quebrou-a com o mínimo esforço empenhado. Prostrada no chão, humilhada, abafada pela Impunidade, que mantinha o pé sobre suas costas, a Justiça respirava com dificuldade.
-Preparada para o Grand Finale? – Perguntou, em tom de deboche, a Impunidade.
-Sim... Eu tinha razão... Sem boas leis, não se pode fazer justiça.
Sem hesitar, a Impunidade debruçou-se sobre a Justiça e partiu seu pescoço com uma única torção. A vitoriosa pulou sob a carcaça de sua desafiante e correu em direção ao Caos e à Injustiça, irmã gêmea má da perdedora daquele duelo, que assistiam a tudo de camarote. Em meio á comemoração, abraçaram-se emocionada e demoradamente.
A Injustiça, a Impunidade e o Caos partiram. Havia, ainda, muito trabalho a fazer e novas leis a disseminar.