Conto a ser publicado na antologia "Se todos fossem iguais á você..." da Câmara Brasileira de Jovens escritores.
Embora aquela tivesse sido uma
boa relação e sempre tivessem se dado muito bem, ele lhe escondera um grande segredo:
Era ela a causadora de sua
insônia durante todo aquele longo (e ido) período de tempo.
Sim... Lembrava muito bem da
época em que dividiam uma mesma cama. Ficava praticamente a noite inteira
procurando encontrar uma boa posição que facilitasse a chegada do sono, sempre evitando
olhá-la, pois era exatamente isso que o impedia de dormir: Uma vez que seus
olhos cruzassem com a serenidade daquele lindo rosto, sua atenção estaria
totalmente capturada, concentrada e imersa na beleza daquelas delicadas linhas
faciais, na leve movimentação das narinas que acompanhavam a doce respiração, no
jeito como as unhas compridas, bem cuidadas, e quase sempre descoloridas,
frequentemente vinham a coçar o mesmo e exato ponto do queixo.
Era um dos muitos hábitos
(manias?) dela o de dormir de lado, trazendo as mãos entreabertas próximas ao
peito, virada para a direção dele! Era, assim, portanto, atraído, fisgado.
Olhando-a, era-lhe simplesmente impossível dormir. Mas como não olhá-la? Até
mesmo quando seus olhos se encontravam fechados, clamava por aquela visão.
Constantemente na escuridão a procurá-la.
Certas madrugadas eles passavam
abraçados no sofá diante da TV ligada. Ela dormia. Ele, colado às costas dela,
com a cabeça recostada sobre aquele frágil pescoço, sentia o cheiro. Não do
perfume que dificilmente ela usava. O cheiro do corpo dela. Era nesse momento
ele a abraçava mais forte e beijava de leve a sua face.
Quando ela tinha sonhos ou
pesadelos, ele acompanhava suas reações ante aqueles dois extremos: Breves
sorrisos, expressões profundas de alegria, longos desesperos, mergulhos na mais
pura agonia. E era nestas horas que ele sempre roçava de leve a sua mão
buscando, de alguma forma, usufruir um pouco daqueles bons momentos oníricos ou,
então, tentando tranquilizá-la no absoluto terror.
Poderia passar a noite inteira,
parado, olhando-a. E foram muitas as vezes em que o fez.
E quando, no meio da madrugada,
ela murmurava palavras incompreensíveis, ou então desconexas, ele imaginava que
era seu nome que ela chamava. Que em seus sonhos era com ele que ela estava.
Que todo o amor que por ele sentia ela declarava.
Às vezes não resistia e passava a
mão por seus longos cabelos. Noutras alisava seu rosto, acompanhando,
calmamente, cada linha. E quando terminava o ritual, o repetia mais uma vez. E
outra. E outra... Perdia-se naquela face. E se fosse possível, se tivesse
havido uma noite eterna, se perderia definitiva e infinitamente. Adorava
acariciar seu rosto. E ela não acordava com o seu toque. Tinha o sono profundo.
Não fingia. Não. Ele tinha certeza: A razão de sua insônia profundamente
dormia. Inocente (e como e porque não?), ela não tinha noção do grave dano que
ao sono de seu companheiro causava e o quanto, apenas por suprir a básica
necessidade de dormir, o afligia.
Nas noites frias, ele a abraçava
e por ela era abraçado. Via, nestas ocasiões, aquele rosto ainda mais de perto,
por vezes quase colado ao seu, noutras em seu peito encostado. E maior era o seu
martírio. Sentia o calor leve que daquele corpo emanava e então a tentação
vinha mais forte do que nunca. Mas não ousava interromper aquele momento
sagrado. Embora muito quisesse, não procurava o seu toque, as suas carícias, o
seu suor, o seu sexo. Não enquanto dormisse. Não poderia e nem conseguiria
voluntariamente acordá-la.
E nas raras vezes (e nos curtos
períodos de tempo) em que conseguia dormir, ele tinha sonhos, todas as suas
palavras, murmuradas, eram compreensíveis, tinham sentido: o nome dela ele
chamava, era com ela que ele estava e todo o seu amor por ela ele declarava.
Aquele era o segredo: aquela moça
era a causadora da sua insônia. E mesmo passado tanto tempo, ainda o era. A
diferença é que antes ele não conseguia dormir por tê-la ao seu lado e agora
não pregava os olhos por não mais tê-la.
Mas havia outro segredo.
Ainda mais secreto.
Ele a amara.
E ainda a ama.
E todas as noites ora para ter novamente,
ao menos apenas mais uma vez, aquele martírio, em sua cama.
Uma pena ele ter escondido, sob
uma camada fina e levemente ofensiva de indiferença, toda a intensidade dos seus
sentimentos.
Triste é a sina de certos
segredos: Quando não revelados no momento propício, passada a devida
oportunidade, estão ultrapassados, fadados á insignificância, ao esquecimento,
e, uma vez enterrados, se perdem no tempo.
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