A viagem naquela tarde prosseguiu
normalmente até que bateram à porta da cabine da máquina.
-Abra Misael... – Era a voz do
bilheteiro que apelava ao condutor – Pelo amor de Deus, abra essa porta!
Assim que a cabine foi aberta, o maquinista
viu-se diante da seguinte cena: O bilheteiro rendido por dois mascarados que o
aterrorizavam com uma pistola em cada têmpora.
-Pare o trem, homem! – Ordenou um
dos mascarados, fazendo pontaria no peito de Misael – Se fizer tudo certo,
ninguém morre hoje.
Como o condutor vacilasse, o
bandido tratou de explicar:
-Temos quase uma dúzia de homens
aqui dentro. Todos os vagões estão tomados, todos os passageiros dominados. Não
vai querer nenhuma morte em sua consciência, não é mesmo?
Misael freou o trem e ficou
aguardando as instruções dos criminosos. A partir deste ponto, aquele que
mirava a cabeça do bilheteiro passou a dar as cartas.
-Sejamos breves: Sabemos que um
de seus passageiros carrega uma mala repleta de barras de ouro do tesouro
nacional. O que ignoramos é a sua identidade. No entanto, temos a informação de
que você, senhor maquinista, a conhece.
-Não faço ideia do que estão... –
Mas Misael foi interrompido após receber uma forte coronhada, que o levou de
encontro ao chão.
-Sem jogos, que a informação e o
informante são quentes – O agressor grunhiu - Bem, temos duas opções para por
um fim nisso: Ou você nos conta quem é o homem, e isso seria o jeito mais
simples de resolver a questão, ou nós matamos você e o seu amiguinho aqui –
apontou o bilheteiro – e revistamos todas as bagagens da composição, apagando
quantos passageiros forem necessários para encontrar o que procuramos.
-E vocês não querem perder tempo
na busca porque estamos próximos da estação seguinte e os federais não
demorariam a vir assim que notassem a demora – Concluiu o maquinista, ainda zonzo
pela pancada recebida.
-Exato – O bandido coçou o rosto
sob a máscara – E então, o que vai ser?
-O passageiro está na cabine
dezoito – revelou Misael pesaroso - Emanuel González. Este é o homem que vocês
querem.
-Sábia decisão, muchacho! – O
criminoso gargalhou.
O maquinista e o bilheteiro foram,
então, amarrados de costas um para o outro. Assim que os dois mascarados se
afastaram da cabine, o bilheteiro murmurou:
-Então essa é a saída que encontraram
para evitar os assaltos, é? Os agentes do tesouro vão querer o teu couro por
essa, Misael.
-Tenho esposa e um menino
adoentado em casa, filho – O condutor suspirou – Morrer é um luxo o qual não
posso usufruir. Danem-se os agentes e o maldito tesouro!
-Esses bandidos de uma figa se
portaram como passageiros a viagem inteira! – Queixou-se o bilheteiro,
pensativo – Decerto que na hora de entrar apresentaram nomes falsos.
-É provável – Misael concordou.
-Será o bando dos irmãos Gun?
Aqueles dois que nos amarraram tinham até as vozes parecidas – Refletiu o
bilheteiro, ao que o amigo de trabalho pareceu não dar ouvidos.
Repentinamente, uma série de
tiros ecoou. Por longos minutos o mundo pareceu emudecer. Logo, um dos
passageiros chegava à cabine. Enquanto soltava os dois funcionários do trem,
relatou:
-Os criminosos crivaram de balas
um dos passageiros da cabine dezoito e levaram sua bagagem.
-Ele reagiu? – o bilheteiro
questionou.
-Pareceu que não – Respondeu o
passageiro, ainda desatando as cordas.
-Meu Deus! Mataram o homem em
vão! – Exclamou o maquinista.
-Não sei se foi bem assim – agora
o homem terminava com as cordas – Eles o agradeceram por uma “dica”.
-Então o próprio agente era o
delator! – Concluiu o bilheteiro – Mas qual era o objetivo daquela cena toda
aqui na cabine?
-Só poderia se tratar de um plano
para inocentar o homem da “dica” – Deduziu Misael - Mas na última hora os
criminosos parecem ter optado por eliminá-lo, tendo, assim, um elemento a menos
com quem dividir o pacote – voltou-se para o seu libertador – E os bandidos já
se foram?
-Sim. Homens a cavalo os
esperavam lá fora.
O maquinista olhou pela janela da
cabine e pôde ver o trotar dos animais erguendo poeirão lá longe no desértico
cenário cujo fim os olhos perdiam.
Quando o trem partiu, o
maquinista se permitiu sorrir aliviado: O agente assassinado passara por delator
e em breve Misael Júnior teria os remédios de que tão precisava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe registrada aqui a sua opinião / comentário: